26 de dezembro de 2005

Claro que é Lama

Com os sapatos enlameados. Foi assim que entramos no local do festival Claro que é Rock, após pararmos no estacionamento oficial do evento, um morro sem iluminação onde carros atolavam, pessoas escorregavam e literalmente enfiavam o pé na lama. Por R$15 queríamos o que? Um estacionamento de fácil acesso, pavimentado e bem iluminado? A "odisséia" que vivi antes e depois do show por causa do estacionamento foi algo tão inusitado que era impossível ficar indignado. É ligar o botão "foda-se" e aproveitar. Great shows ahead!

o senhor simpatia wayne coyne, do flaming lipsPor motivos que prefiro omitir e que foram rapidamente sanados através da ação de um bastão de baseball atingindo um crânio desprovido de inteligência, cheguei no meio do show do Flaming Lips. Sim, eu havia "estudado" o setlist do Flaming Lips pela internet, já sabia que a terceira música era a cover de Bohemian Rhapsody do Queen e que o gênio por trás das composições da banda, Wayne Coyne, desfila por sobre a platéia dentro de uma bolha de ar. Sim, não vi nada disto. Do menos, o pior. Consegui pegar a linda Do You Realize?, o hit She Don't Use Jelly e a maluca viagem de Yoshimi Battles The Pink Robots. Com o palco cheio de adultos fantasiados de bichos coloridos, Wayne, com toda sua simpatia, chama o tempo todo o público para entrar na festa pscicodélica que é o show do Flaming Lips. Você não conhece a banda, nunca ouviu suas músicas, mas o show serve pra você também. O show do Flaming Lips não é um momento em que eles estão ali apenas para apresentar suas músicas. É um show de rock, com cara de festa, onde o público presente, mesmo não conhecendo absolutamente nada da banda, adorou os anfitriões e acabou se divertindo. Pouco, pois o show foi curto.

Uma mijada histórica dentro de um banheiro químico fedorento. Isto foi o que aconteceu entre o show do Flaming Lips e o do Iggy and The Stooges. Vocês acham que iam dormir sem esta?

a divindade iggy popIggy Pop. Influenciou tanta gente com suas performances ao vivo e com sua música que eu ainda não estava pronto para o que estava por vir. Tanto é que o show começou e eu não sabia direito onde ficar para assistir tudo aquilo. Iggy e os Stooges remanescentes me lembraram do por que cheguei a usar a cara de Iggy em um trabalho de calcografia na faculdade. I Wanna Be your Dog, 1969, No Fun, Real Cool Time, Funhouse. Só estas seminais canções de mais de trinta anos atrás já valeriam o show, mas pagamos pra ver mesmo é Iggy e sua dança, seus saltos, suas performances. A energia da banda é toda catalisada em Iggy e posta pra fora, para a platéia, que retribui subindo no palco, dançando, abraçando e cantando ao lado do mestre, da iguana do rock, no momento mais rock'n'roll do dia. Nada como um show proto-punk para desintegrar de nossas mentes uma festa pscicodélica. Iggy e os Stooges no final da década de 60 mostraram que rock'n'roll é destruição, é dançar, se jogar, gritar. Iggy, trinta e cinco anos depois, continua a nos ensinar tudo isso, ali, na nossa frente.

a senhora kin gordon do sonic youthSai o cru e destruidor e entra a banda que foi capaz de reinventar, através de guitarras distorcidas, efeitos e desafinações, a (des)construção do rock no início da década de 80. Meu primeiro show do Sonic Youth, uma de minhas bandas favoritas de todos os tempos. A banda não se importou com o fato de que era apenas a segunda vez que eles vinham ao Brasil em mais de vinte anos de estrada. Em outras palavras, focaram seu show em músicas do disco novo, de 2004, Sonic Nurse. Pouca gente escutou este disco e hits esperados como Diamond Sea e Sugar Kane foram ignorados. A banda focou toda sua energia nas guitarras e nas longas distorções e experimentações, deixando pouco espaço para o rock'n'roll. O pouco convencional tomou conta, mesmo quando resolveram tocar alguns de seus antigos clássicos, como Schizofrenia e Teenage Riot. Iggy não deixou pedra sobre pedra, o Sonic fazia apenas vibrar as pedras. O ponto alto do show foi quando a cinquentona Kin Gordon assumiu os vocais, cantou e dançou na frente da platéia, mostrando simpatia no único momento de interação com público. O fato é que depois de dois shows onde a platéia participou ativamente, seja dançando, cantando ou se deslumbrando, assistir ao show do Sonic Youth naquele momento foi como ir para o lounge, sentar no sofá e tomar uma coca-cola gelada.

trent reznor emocionou este que escreveTrent Reznor, o demente por trás do NIN, seria o próximo. O último show da noite era o que eu menos esperava, apesar de já ter adorado a banda e escutado seus discos exaustivamente. Errei deliciosamente em não esperar nada. Foi um show violento e agressivo, graças a maioria das canções do NIN, que extrapolam ao vivo o seu peso e agressividade, tanto na tríade guitarra-baixo-bateria quanto nas letras. Foi um show belo e introspectivo, graças a performance de Reznor que parece viver intensamente as letras ao cantar, em especial no momento mais calmo do show ao interpretar a canção Hurt que, segundo Johnny Cash, é a mais verdadeira canção anti-drogas já composta. Vai ser difícil esquecer as esculturas verticais que mudam de cor no meio do palco, as luzes e os lasers que contracenavam com a escuridão, com a platéia, com as músicas e com a silhueta dos integrantes da banda. O NIN fechou o festival como deveria, apresentando o show com o visual mais legal que eu já tive a oportunidade de assistir ao vivo.

Fim do festival, de volta pro carro, subir o morro, pescoço dolorido, ser os últimos a sair do estacionamento, chegar em casa às 5 e meia da manhã, um sorriso enorme de satisfação rasgando o rosto. Que bom seria se tivéssemos mais festivais como este por aqui.

17 de dezembro de 2005

O dia em que São Paulo foi Seattle

Hoje faz duas semanas que aconteceram os shows do Pearl Jam,em São Paulo. Ok, passou tempo demais, mas algumas coisas mesmo com atraso não devem ser deixadas para trás.
Dia 02 de dezembro foi o dia que São Paulo se transformou em Seattle: no tempo (céu nublado, chuva fina o dia todo), no modo de vestir já que muita gente se reencontrou com as velhas camisas de flanela que há muito tempo estavam esquecidas em algum lugar do guarda-roupa e na música; show do Pearl Jam.
Fazia mais de nove anos que eu estivera no Pacaembu, vendo shows que hoje não fazem mais nenhum sentido para mim.Mesmo assim consegui me lembrar daquela mesma movimentação, daquela quantidade fantástica de pessoas indo em busca da mesma coisa que havia visto anos antes.
Desci a rua lateral do estádio com esperanças de ver Mark Arm berrando no palco com seus companheiros do Mudhoney. Cheguei às 18h40 e estranhei de ver o palco vazio. Quando encontrei um lugar mais ou menos para ficar comecei a perguntar ansiosa para meus companheiros: cacete, cadê o Mudhoney?.
Os minutos passaram, a arquibancada começou uma hola que durante um tempo animou a multidão.Enquanto isso eu continuava intrigada com o pensamento será que cortaram o Mudhoney na última hora?, depois descobri que era mais ou menos que tinha acontecido.
Às 19h30,britanicamente, conseguia-se ouvir as primeiras notas de Go. Sim, o sonho de muitos que estavam ali estava virando realidade: Eddie Vedder, Stone Gossard,Jeff Ament, Mike Mc Cread e Matt Cameron (conferir se é ele mesmo) estavam no palco básico do Pacaembu.Básico porque não havia nada além de uma iluminação comum.
Go puxou uma verdadeira enxurrada de músicas que os fãs queriam ouvir. Músicas muito conhecidas para quem conhece Pearl Jam: Hail Hail ,Animal,Better Man, Corduroy,Do the evolution,Last kiss, Given to fly. Essas foram um aperitivo para quem estava ansioso, à espera das seis músicas do Ten,primeiro disco da banda, que foram tocadas no show de Curitiba. A cada cidade, aliás a cada dia o set list mudava. Even flow, tocada mais no início do show foi a primeira a puxar as outras:Porch, Once, Alive, Black e Jeremy.
Mas tudo isso foi estupidamente prejudicado pela péssima qualidade de som que de acordo com um amigo era um som de Tom Brasil Nações Unidas num lugar 10 vezes maior. De onde eu estava ouvia-se duas coisas: a voz do Eddie Vedder e alguma coisa que parecia uma vibração de baixo e bateria juntos, só não se sabia o que era o que. Isso melhorou um pouquinho na segunda hora de show, mas mesmo assim tinha músicas que demorei tipo uns 30 segundos para reconhecer (bizarro!).
Se o som estivesse bom eu não me importaria com o fato de ter ficado num lugar de onde não se via quase nada. Contentei-me em olhar para o telão, que também foi colocado numa altura ridícula, e contei com meu irmão que me ergueu umas 3 vezes para ver o palco.
Eddie Vedder não decepcionou: falou português em vários momentos, apesar de não se entender muito o que ele dizia o esforço deu chame às tentativas. Eddie está com o mesmo cabelo de 13 anos atrás, faz a mesma cara de psico enquanto canta, a diferença é a barba e 13 anos a mais na idade.
Um momento que eu não esperava foi a homenagem ao Johny Ramone. Vedder apareceu no palco sentado num banquinho empunhando um violão e dizendo em português que iria tocar uma música (Man of the hour) para um amigo de quem ele sentia muita saudade. O público respondeu a frase com um sonoro Hey, ho! Let´s go. Na seqüência veio a cover de I believe in miracles, que em Porto Alegre rolou com participação do Mark Ramone.
Apesar do som horrível, do palco que eu não conseguia ver, dos gigantes que sempre paravam na minha frente eu consegui me emocionar em 3 momentos: quando ouvi as primeiras notas de Given to fly, depois em Alive, música que a galera cantou quase em unísono e mais tarde em Black quando eu ouvi as palmas mais cadenciadas e unidas da minha vida. Dava para ouvir algo que se traduzia como um tcha contínuo que não me lembro quando parou.
Jeremy foi tocada quase inteira com os holofotes do estádio ligados. Sinal de que tudo seria pontualíssimo do início ao fim. Deu para ouvir Eddie Vedder dizer que não demoraria outros 15 anos para voltar ao Brasil.
Abstraindo a historinha que tenho com a banda concluo:
1º A voz dos moradores do Pacaembu ganhou disparado dos fãs do Pearl Jam que quase imploraram para a realização do show. O show aconteceu, mas com uma qualidade de som pífia, coisa que o público que pagou 120 pila + taxa de conveniência que a ticket mercenária master cobrou ,não merecia.
2º O Pacaembu é terrível para shows e eu não me lembrava mais disso.Não sei se repetiria a dose.
3º Saí pensando que teria sido mais interessante, cômodo e barato se eu tivesse ficado na arquibancada. Realmente os fãs de rock são mutantes. As pessoas vão mais bonitas a shows hoje do que iam há 10 anos.
4º Droga, perdi o Mudhoney! E não foi por atraso meu. Encontrei uma amiga que me contou que a banda tocou meia hora, das 18h às 18h30, uma hora antes do previsto e divulgado.
5º Não consegui manter a abstração até o fim e vou dizer que apesar de tudo de ruim que citei sou doente, me divirto em shows. Foi bom ver a banda do início da minha adolescência.

16 de dezembro de 2005

Shadow of The Colossus

Videogame é videogame, arte é arte, sempre foi assim. Pelo menos até Shadow of The Colossus ter sido lançado para PlayStation 2.


:: Complexo em toda sua simplicidade

É impressionante como um jogo tão simples pode ser tão complexo, lindo e marcante. Um jogo convencional dá a impressão de ter sido criado a partir de uma boa idéia que, para ser mais viável comercialmente, acaba sendo inundada por detalhes, tramas paralelas, histórias que se cruzam, reviravoltas e tudo mais. Aparentemente, tudo que puder complicar será bem vindo. Shadow of The Colossus é tão simples que a impressão que se tem é que o diretor Fumito Ueda teve a idéia sozinho, num quarto escuro, antes de dormir e pensou: "Essa idéia é boa demais para ser mexida. Vai ser exatamente assim como eu pensei, sem nenhuma complicação, nenhum detalhe, nada. Está perfeito." E estava mesmo.


:: História simples, experiência emocionante

A história começa com um herói sem nome, batizado apenas como "Wanderer" (andarilho), chegando em seu cavalo a uma linda e enorme terra desconhecida. Ele carrega em seu colo o corpo inerte e desacordado de uma menina de longos cabelos negros, a quem o garoto pretende devolver a vida. Ao atravessar uma belíssima e enorme ponte (um dos momentos mais graficamente impressionantes da minha história com os videogames), os três chegam a um templo, onde acontece um pequeno diálogo com uma voz retumbante que parece vir de dentro do próprio templo.

Aliás, é importante ressaltar que esse é um dos jogos mais simplistas desde a era do Atari. Todo o diálogo que acontece não é nem uma palavra além do estritamente necessário, e mesmo assim tudo é dito num tom poético e as falas do "deus" do templo são em linguagem antiga, bíblica, medieval. Sei lá. É lindo.

Nesse diálogo o garoto explica que a menina em questão (que também não recebe um nome) morreu de forma injusta, e que ele fará tudo o que for possível para restaurar a vida dela, pois acredita que a "voz do templo" tenha esse poder. A voz responde que isso pode ser possível, porém, há "um preço a se pagar" e "uma tarefa a se cumprir". A tarefa em questão é acordar e derrotar todos os dezesseis Colossi, criaturas magnifícas, tanto em tamanho quanto em complexidade e beleza. Assim, o jogo tem início.


:: A grama do vizinho nem sempre é a mais verde

A partir daí o mundo é seu. Você vai ficar boquiaberto com o mundo ao seu redor e com todos os seus detalhes, acidentes geográficos, colinas e despenhadeiros. Com cada árvore, com cada penhasco ou cachoeira. Tudo é deslumbrante. Tudo é impressionante. Não há inimigos menores para derrotar. Tudo que existe é você, seu fiel cavalo Agro e o mundo. Uma ou outra eventual águia ou um pequeno lagarto correndo por entre as pedras podem ser vistos, às vezes. Uma incrível sensação de liberdade toma conta do jogador, como se aquele mundo realmente existisse, como se a televisão fosse uma janela com vista para um ambiente fantástico, e real. Você poderia querer ficar dias apreciando a paisagem, e isso seria possível, mas você se lembra que tem um gigante a enfrentar.


:: À sombra do colosso

A luz do sol refletida pela espada sempre mostra a direção em que o próximo alvo se encontra. Indo nessa direção e desviando de quaisquer irregularidades do terreno, fatalmente se encontrá o colosso a ser derrubado. E o primeiro deles já chega para impressionar. Grande, lento e, de certa forma, vivo. A impressão que se tem ao chegar perto de um dos dezesseis grandes inimigos do jogo é exatamente essa: de que aquilo não é um modelo 3D animado e programado com códigos de computador que lhe conferem uma semi-inteligência artificial. A impressão que se tem é de que se está frente a frente com uma criatura viva, pulsante, que estava ali, à toa, sem fazer mal a ninguém, mas que por um motivo deve ser morta. Dá pena, gente. Muitas vezes dá pena. Eu, particularmente, nunca vi personagens com olhos tão sutilmente expressivos. Eles não têm sobrancelhas, tampouco pálpebras ou qualquer outra coisa ao redor dor olhos que pudesse lhes conferir emoções e expressões faciais. Mas mesmo assim é impossível não perceber algum tipo de sentimento naquele olhar. Seja de compaixão, de dúvida, de simples agressividade, mas todos eles têm sentimentos e, se você também os tiver, vai percebê-los.

A batalha consiste em achar o ponto vital da criatura, achar um meio de escalar até lá, se segurar firme enquanto o inimigo tenta com todas as forças lhe jogar longe e, por fim, cravar a espada sagrada nesse ponto (às vezes são mais de um no mesmo Colosso). Fazendo isso repetidas vezes o inimigo cairá no chão, sem vida. Seu espírito sairá do corpo do gigante, tomando conta então do corpo do herói, que aparece logo depois acordando no templo inicial (onde está a garota no altar), onde vai receber instruções, muitas vezes pouco reveladoras, para a luta contra o próximo Colosso.

Mas, verdade seja dita, às vezes nem dá vontade de lutar. Dá vontade de ficar correndo ao redor do colosso, observando seus movimentos, suas atitudes, suas expressões. Dá vontade de fazer com que ele tente te atacar, só pra ver o show de poeira, terra e pedras que voam do chão para todos os lados, a partir do ponto onde ele acertou. Dá vontade de subir nele só para ficar ouvindo as empolgantes músicas orquestradas que se alternam em cada uma das situações. Enfim, dá vontade de fazer o jogo durar para sempre.


:: Sinta

Faltam palavras para descrever esse jogo, e todas as que eu escrevi aqui estão desordenadas, pois é muito difícil analisar algo que deve ser sentido, e não entendido. É simplesmente a experiência mais gratificante que alguém pode ter segurando um controle de PS2. E, já que é impossível fugir do trocadilho, é um game colossal.

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Mais Imagens:
(Clique para ampliar)














Ah, antes que eu me esqueça: todas as imagens desse post são realmente do jogo rodando, não de algum video, sequência em CG ou nada parecido. É tudo real.